16 de setembro de 2024

Oscar Araripe pode ser eleito para a Academia Brasileira de Letras

Em entrevista exclusiva, ele fala de sua carreira, de Tiradentes e da sua relação com a Academia.

Há pelo menos cinco décadas Oscar Araripe é considerado um dos maiores pintores brasileiros. Isso mesmo. Ele é um pintor e não um artista plástico, porque, como diz, “há muitas diferenças entre os dois termos”, e vai direto ao ponto: “Essa expressão infeliz, artista plástico, ela, na verdade, esconde um preconceito contra o pintor de parede. Ademais, você chamaria Leonardo ou Rafael de “artista plástico“?

Radicado há mais de trinta anos em Tiradentes onde mantém uma galeria e uma Fundação onde suas obras estão expostas, pode se tornar em breve o mais novo membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Foi no final de sua adolescência, vivida no subúrbio carioca do Encantado que Oscar descobriu a pintura, mas, naquele momento não seguiu por este caminho. Tornou-se jornalista e sentiu na pele as consequências da profissão, após lançar um livro de sucesso sobre uma longa viagem à China de Mao Tse Tung. Ele conta que a obra foi solidária ao esforço daquele país de se reerguer durante a Revolução Cultural. Corriam os anos setenta e o país vivia o auge da ditadura que o mandou, então, para um exílio em Roma que durou três anos. Além dessa obra, é dele também a trilogia literária que se inicia com “Maria na Terra de Meus Olhos”, publicada pela Editora Rocco, com prefácio de Antônio Houaiss e apresentação de Eduardo Portela, ambos acadêmicos da ABL. Em outro momento, já no Brasil, foi viver longe da civilização “lá pros lados da (serra) Itatiaia mineira, um lugar chamado Mirantão, onde vivi por treze anos sem energia elétrica. Lá eu terminei dois livros meus e retomei minha pintura, quando também me curei dessa minha sociofobia e a saúde que estava muito abalada”, lembra.

A pintura começou “num rompante” quando pintou as primeiras telas. Oscar Araripe detalha este momento: “Hoje percebo também que na escola os meus desenhos rudimentares agradavam. Mas a pintura não é uma arte de juventude. A pintura, principalmente quando se é autodidata como eu, exige que você tenha uma maturidade para que você tenha o seu estilo. De modo que eu sou um pintor que vim da literatura. Eu aprendi a criação artística na literatura, no jornalismo. Quando eu cheguei na pintura eu já sabia fazer a criação artística. Foi muito feliz esse meu reencontro com a pintura porque primeiro eu pude me profissionalizar muito rapidamente; com seis meses da minha primeira exposição eu já vivia da minha pintura”, lembra.

Fachada da galeria e Fundação Oscar Araripe no Centro Histórico de Tiradentes.

Tiradentes

Em 1966 Oscar veio pela primeira vez a Tiradentes com um grupo teatral onde se apresentou no Solar Ramalho, naquilo que ele considera ter sido o seu primeiro trabalho artístico. Mas foi na década de 90 que se mudou definitivamente para Tiradentes isto porque, conta, precisou deixar Ouro Preto, cidade em que morava pela segunda vez, onde começou sua carreira artística e também conheceu sua atual esposa, Cidinha. “Mas um dia – lembra – fiquei sem casa em Ouro Preto porque o casal proprietário separou, estavam brigando e não consegui comprar a casa. Então vim pra cá (Tiradentes) por intuição. Cheguei na cidade, sentei em uma calçada no Centro Histórico pensando em como resolver a minha emergência por moradia – já tinha visto algumas casas, mas não tinha condições de comprar – até que alguém me indicou uma casinha que pertencia ao prefeito da época.” Oscar precisou vender alguns bens e com o dinheiro comprou o imóvel que hoje compõe o conjunto Galeria e Fundação Oscar Araripe, próximo à Igreja Matriz de Santo Antônio.

Detalhe interno da galeria Oscar Araripe, aberta à visitação diariamente.

Imortal da Academia Brasileira de Letras

Recentemente, Oscar lançou sua candidatura à cadeira de número 30 da ABL – Academia Brasileira de Letras – que pertenceu à Nélida Piñon. Se eleito será o primeiro acadêmico de profissão pintor a se tornar imortal. Ele, inclusive, lembra uma frase dela que considera muito feliz, que é a seguinte: “Primeiro o acadêmico entra na Academia e depois ele é eleito”. No seu caso diz, entrou na Academia “diversas e proveitosas vezes. A começar pela minha família que é Alencar e Araripe. Nós somos seis acadêmicos ao longo da história da ABL. São eles: José de Alencar, Araripe Júnior, Mário de Alencar, Raquel de Queiróz, Hélio Jaguaribe e o Paulo Coelho, que também é Araripe por parte de mãe”, diz sobre os parentes imortais.

Sua proximidade com a ABL é ainda maior. Ele já fez uma exposição na Galeria Manuel Bandeira, que pertence à Academia, que foi saudada na inauguração pelos acadêmicos Sergio Rouanet e Domício Proença. Também foi amigo de outros imortais como Aurélio Buarque de Hollanda, “que me cita na bibliografia do dicionário dele; o Lêdo Ivo, e o Silva Mello, um acadêmico pouco conhecido que eu tive a sorte de salvar a vida, no Rio, quando ele foi amarrado e amordaçado. Como eu estava na casa do Augusto Rodrigues, que era contígua à dele, ouvi uns gritos da casa dele e fui lá ver o que era e o encontrei amarrado no banheiro por conta de um empregado que teve um surto psicótico e queria matá-lo. O cara me viu, fugiu e eu o libertei,” revela.

Oscar Araripe em seu estúdio durante a finalização de um de seus quadros.

Como reforço a sua postulação à uma vaga na ABL, Oscar teve uma ideia genial e inédita. Divulgou uma carta de apoio à sua candidatura “assinada” por cinco dos seis imortais seus parentes falecidos, exceto Paulo Coelho, que está em plena atividade. A iniciativa foi tão bem recebida no meio que mereceu até uma nota na concorrida coluna do Ancelmo Gois, no jornal O Globo. Oscar explica o gesto: “Eu quis, ao mesmo tempo, me situar na tradição e inovar sem exagero, buscar mais empatia dos jovens sem apelações e mais a fim com o nosso momento. E ao mesmo tempo foi uma maneira de falar de minha proposta como acadêmico de forma bem humorada.”

E o principal motivo que o leva a buscar uma cadeira na ABL é “retomar as exposições da Galeria Manoel Bandeira que não estão sendo realizadas. Mas com outra perspectiva, com a idéia de construir as bases da Pinacoteca da Academia Brasileira de Letras, ela que é a mais antiga e maior instituição cultural do país. E pra isso é melhor que seja um pintor. E o fato de eu ser pintor e escritor me deixa à vontade para concretizar o projeto. Essa ideia de criar uma pinacoteca é o que me fascina mais”, afirma.

Apesar da, digamos, campanha eleitoral inusitada, Oscar diz que a expectativa quanto ao resultado “é um mistério.” Do alto de seus 82 anos, ele analisa esta situação com um olhar de quem conhece o terreno onde está pisando. “A eleição da ABL é lição de amizade. Você entra na Academia para ter amigos”, afirma. Mas se não der certo, ele completa: “Não há nenhum problema, porque o Di Cavalcanti, o primeiro pintor a se candidatar, não foi eleito, e isso vai me liberar para, nos últimos anos da minha vida, eu pintar mais”, finaliza.

A íntegra da entrevista você assiste em vídeo no YouTube, clicando aqui.

*Com foto da Fundação Araripe